O que acontece se misturarmos a ética hacker com a tecnologia de manipulação orgânica, por meio da biologia sintética? Você tem o biohacking! No entanto, sabe exatamente o que é isso? Hoje, o biohacking se posiciona como o novo paradigma do século e prega a acessibilidade ao conhecimento pelo menor custo possível.

Acompanhe este artigo e descubra como o biohacking de bactérias programáveis e de alterações corporais utilizadas para melhoria de características específicas está desenhando o cenário futuro e impondo novas perspectivas para saúde, segurança e evolução.

O que é o biohacking?

A ideia de hackear é algo muito popular, mas, e sobre biohacking? Você já ouviu esse termo em algum lugar antes deste texto? Em caso negativo, não se preocupe, você não está sozinho. Apesar de estar em franco crescimento, esse ainda é um assunto pouco conhecido em nosso país.

Podemos definir o biohacking como a técnica capaz de hackear um organismo vivo, da mesma maneira como acontece com componentes eletrônicos. O objetivo desse hackeamento é a possibilidade de adquirir melhorias em alguma capacidade ou, ainda, obter novas habilidades.

O conceito pode ser aplicado ao manuseio desde a mais simples bactéria até organismos mais complexos, como o próprio ser humano. Semelhantemente aos softwares de computador, buscamos fornecer inputs (entradas) — por meio de novas substâncias, eletro-manipulação ou próteses — conforme as outputs (saídas) desejadas.

Para ficar ainda mais claro, vamos continuar com o exemplo dos seres humanos. Com o biohacking, somos capazes de hackear e promover melhorias para a mente e o corpo, como: enxergar no escuro, sentir campos eletromagnéticos, realizar o controle hormonal, possibilitar o controle de doenças ou, ainda, ficar mais produtivo. Porém, não se trata apenas de modificação do corpo.

A ideia que permeia essa atividade é a união da biologia com a ética hacker, por meio da cultura do “faça você mesmo”. Assim, os entusiastas dessas tecnologias conseguem desenvolver suas pesquisas de maneira independente, abordando desde mudanças corporais até um completo sequenciamento genético caseiro.

Ética hacker e cultura hacking

Podemos definir o biohacking como a fusão da biologia sintética com a ética hacker. Hacking significa melhoria ou correção de problemas e transmite a ideia de realizar modificações em sistemas/programas com o intuito de obter novas capacidades outrora não disponíveis.

Essa é base da “cultura hacker”, que se define como uma ideologia favorável à inovação, à descentralização do conhecimento e da informação e à universalização do acesso à tecnologia.

Da mesma maneira, o hacking também não está limitado ao universo da computação. Pelo contrário, ele une a ciência biológica com a cultura hacker, e dá luz a um novo conceito chamado de Biologia DIY (“do it yourself” ou “faça você mesmo”).

Sendo assim, a ética hacker visa a popularizar e a tornar acessível todo o conhecimento necessário sobre as técnicas de manipulação orgânica do corpo, ampliando a quantidade de experimentos realizados e promovendo-os da maneira mais barata possível. Por se tratar de um conceito interdisciplinar, atrai participantes das mais diferentes áreas, como Matemática, Artes, Química e, obviamente, Biologia.

Bactérias programáveis

O biohacking de bactérias programáveis permite uma série de benefícios à vida humana. Para os pesquisadores, os micro-organismos funcionam como uma espécie de smartphone no qual você pode instalar uma grande variedade de aplicativos (nesse caso, genomas de designer).

A utilização de programação dos DNAs das bactérias para produção de substâncias necessárias ao corpo também permite o barateamento de alguns tipos de fármacos.

Um exemplo é o projeto Open Insulin, uma campanha financiada no Experiment — uma plataforma de financiamento coletivo para pesquisas científicas — cujo objetivo era fornecer uma alternativa genérica e acessível aos remédios caros e patenteados contra o diabetes.

Um grupo de 16 biohackers se uniu para criar um protocolo open source (aberto) de insulina — instrução mais barata e acessível para a produção da substância, usada no tratamento de diabetes. O projeto conseguiu arrecadar mais de U$ 16 mil (R$ 50 mil).

As possibilidades são ilimitadas: em teoria, os organismos podem ser programados para praticamente qualquer coisa. Alguns exemplos são plantas brilhantes (porque é legal!), concreto autorreparador e açafrão sintético — e muitas outras oportunidades que são exploradas diariamente pelos biohackers, como protetor solar bacteriano e queijo vegano de vaca.

Quais são os casos notórios de biohacking?

Seja por meio das intervenções mais radicais realizadas por pessoas que buscavam alguma mudança em seu corpo, seja por meio dos procedimentos mais comuns aplicados na medicina, o biohacking é algo que sempre impressiona. Vamos, agora, conhecer alguns exemplos dos casos mais notórios.

Visão noturna

Em 2015, em Los Angeles, o biohacker Gabriel Licina injetou Chlorin e6 em seus globos oculares para obter visão noturna. O Chlorin é análogo à clorofila e foi extraído de peixes de zonas abissais, onde não existe incidência de luz natural.

Audição de cores

Outro biohacker, Neil Harbisson, nasceu com uma síndrome rara que não permite que ele diferencie as cores, enxergando tudo em preto e branco.

Com o auxílio de médicos e outros parceiros, ele desenvolveu um sistema que, acoplado à sua cabeça, traduz as cores em sons. Assim, cada cor captada pelo aparelho vibra em uma determinada frequência, possibilitando a sua distinção.

Biohacking comum

O chip anticoncepcional é um contraceptivo implantado sob a pele dos braços ou das nádegas, contendo uma certa quantidade recomendada de hormônio.

O aparelho é programado para liberar periodicamente determinadas doses desse hormônio na corrente sanguínea da paciente. O método, além de prevenir a gravidez, corta a menstruação, regula os efeitos da TPM, e as variações de peso e humor feminino.

DIYBio no Brasil

Mesmo não sendo um assunto muito popular, o Brasil se destaca e já mantém uma marca no movimento biohacking. Devido aos preços e às burocracias, a maioria dos laboratórios abertos de biologia em funcionamento está reaproveitando equipamentos, e é, de alguma maneira, ligada a universidades.

São vários os laboratórios de garagem em funcionamento. Os exemplos mais emblemáticos são o carioca Olabie e os paulistas FabLabs da prefeitura e o Garoa Hackerspace, que contém estufas, impressoras 3D, microscópios, centrífugas (que separam componentes e soluções), pipetas, máquinas de PCR (que reproduzem DNA em grande quantidade), nanodrops, que são equipamentos que medem a concentração de moléculas, e outros recursos disponíveis aos adeptos da DIYBio.

Outra diferença marcante entre o movimento biohacking no Brasil e nas regiões estrangeiras é que, por aqui, os projetos realizados são voltados para a resolução de problemas reais, enquanto que, em muitos países da Europa e dos Estados Unidos, a pesquisa recreativa, ou por hobby, também é muito expressiva.

Quais os riscos associados ao biohacking?

Mesmo que a maioria dos biohackers estejam, hoje, hackeando “ao lado do bem”, muitos críticos argumentam que não podemos menosprezar o risco de surgirem novas formas de criminalidade, principalmente aquelas ligadas a drogas e armas biológicas.

Novos traficantes sintéticos

Por meio da biotecnologia, narcotraficantes poderiam formatar suas próprias drogas com uma impressora 3D. No caso da maconha, com a reprogramação genética de bactérias, é possível induzi-las a produzir o ingrediente ativo THC. Assim, não é preciso mais correr o risco de plantar milhares de hectares da droga.

Bioterrorismo

Você pode não acreditar, mas o acesso a patogênicos controlados ou outros agentes biológicos é possível a qualquer pessoa. Lançando mão dos avanços oriundos da biologia sintética, os chamados “bioterroristas” poderiam iniciar ataques mortais contra chefes de estado, grupos específicos ou mesmo cidades inteiras.

Os biohackers são uma comunidade eclética e unida com o objetivo de fornecer uma alternativa à Big Science. No verdadeiro espírito hacker, eles trabalham com dados abertos, constroem equipamentos de laboratório de baixo custo e disponibilizam protocolos prontos para uso.

Mesmo com os perigos, a perspectiva não é desanimadora: os benefícios superam todos os riscos, principalmente pelo exemplo do biohacking de bactérias programáveis. Estamos enxergando somente a “ponta do iceberg”.

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